terça-feira, 11 de junho de 2024

As Teorias Raciais e Eugênicas

Entre o final do séc. XIX e a metade do séc. XX, vigorou na ciência mundial duas perspectivas que entendiam as características dos grupos humanos e a relação entre esses grupos a partir de demarcadores vistos como provenientes da natureza. Tratavam-se do determinismo geográfico e do determinismo biológico.

Fonte da imagem: Lavra Palavra

O determinismo geográfico pressupunha que as características de um grupo social seriam determinadas pela natureza do meio geográfico no qual ele está localizado. Desse modo, o clima frio dos países europeus e dos Estados Unidos influenciaria a população que vive ali, tornando-a mais disposta ao estudo, ao trabalho e ao empreendedorismo, contribuindo assim para seu desenvolvimento econômico e social. Por outro lado, o clima quente dos países da América do Sul e da África tornaria sua população preguiçosa, amolecida, sem predisposição ao estudo, ao trabalho e ao empreendedorismo, colaborando para seu atraso econômico e social.

O determinismo biológico, por sua vez, interpretava que as características de um grupo social seriam definidas pela natureza genética dos seus membros. Essa perspectiva trabalhava com o conceito de raça em seu sentido biologizante, como vimos acima, segundo o qual as raças humanas são grupos que compartilham características físicas, psicológicas, morais, intelectuais e culturais, e que compartilham naturalmente essas características aos seus descendentes. O determinismo biológico considerava também que existiriam raças superiores e inferiores, o que seria demarcado pelas características físicas, psicológicas, morais, intelectuais e culturais trazidas pela sua genética.

Arthur de Gobineau (1816 – 1882), escritor, filósofo e diplomata francês, escreveu um livro chamado Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, com o qual contribuiu para o desenvolvimento dessas teses racistas. Segundo ele, existiriam três raças humanas puras, a raça branca, a raça negra e a raça amarela. Essa ideia é uma transposição para a ciência da concepção religiosa segundo a qual o mundo teria sido repovoado pelos três filhos de Noé, que seriam Jafé, Cam e Sem, considerados respectivamente como ancestrais dos europeus, dos africanos e dos asiáticos. As outras raças existentes, como as indígenas, seriam misturas das raças puras. Para Gobineau, as raças humanas possuiriam características físicas, psicológicas, morais, intelectuais e culturais naturalmente diferenciadas.

Fonte da imagem: British Library

Gobineau, que, enquanto diplomata, trabalhou no Rio de Janeiro como representante da França no Império Brasileiro, entendia que a raça branca seria superior, enquanto as demais seriam inferiores. Além disso, para ele, a mistura entre as raças deveria ser evitada, por ocasionar a degeneração, ou seja, a degradação genética das raças superiores, cujo vigor e a industriosidade seriam trocados pelos vícios, pela corrupção e pela imoralidade das raças inferiores. Segundo ele, o Brasil era um país condenado ao fracasso e à extinção de seu povo, devido aos efeitos da degeneração provocada pela miscigenação.

Cesare Lombroso (1835 – 1909), médico e criminologista italiano, desenvolveu estudos de caracterologia, que é a relação entre características físicas e mentais, e foi considerado o criador da antropologia criminal. Em seu livro chamado O Homem Delinquente, Lombroso defendia que algumas pessoas nasceriam com a tendência natural ao cometimento de crimes. Tal tendência poderia ser observada a partir de características físicas possuídas pelas pessoas, como o crânio menor, o maxilar pronunciado, os braços longos e as mãos grandes. O autor, então, desenhou o tipo físico do criminoso. Outra ideia de Lombroso é que tanto as características físicas quanto à tendência ao cometimento de crimes seriam naturalmente herdadas pelos indivíduos. Vale ressaltar que os traços utilizados pelo autor para a definição do tipo físico do criminoso são as mesmas utilizadas muitas vezes para a descrição das populações negras.

Fonte da imagem: Revista Cérebro e Mente

Francis Galton (1822 – 1911), antropólogo, matemático e meteorologista inglês primo de Charles Darwin, acreditava que a teoria da seleção natural poderia ser aplicada à espécie humana. Ele também entendia que as características físicas, psicológicas, morais, intelectuais e culturais dos seres humanos seriam passadas de pais para filhos. Diante disso, ele elaborou um projeto de melhoria genética da espécie humana, por meio do cruzamento entre pessoas portadoras de características tidas como superiores, o que excluiria negros, indígenas, asiáticos e pessoas com deficiência, dentre outros.

Fonte da imagem: Biography UK

As teorias raciais e eugênicas chegaram ao Brasil, onde fizeram grande sucesso. Nina Rodrigues (1862 – 1906), médico e jurista baiano, defendia a desigualdade natural entre as raças humanas. No livro chamado As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil, ele argumentava que os negros não tinham as mesmas capacidades morais que os brancos, por isso, deveria existir um código penal para os brancos e outros para os negros, já que esses não conseguiriam cumprir as mesmas leis estabelecidas para os brancos.

Fonte da imagem: Ciência e Cultura UFBA

Monteiro Lobato (1882 – 1948), escritor, advogado e promotor paulista, era membro da Sociedade Eugênica de São Paulo. Em seus livros, como o Sítio do Picapau Amarelo, propagou ideias racistas e eugênicas. Nessa obra, Dona Benta, personagem branca, é retratada como exemplo de sabedoria e cultura, enquanto Tia Nastácia e Tio Barnabé, personagens negros, são representados como desprovidos de inteligência e subservientes. Jeca Tatu, outro personagem de Monteiro Lobato, retrata a visão que o autor tinha do Brasil, enquanto um país miscigenado e de clima quente: preguiçoso, fraco, amolecido e desprovido de inteligência.


Fonte da imagem: Jornal da Unesp

Euclides da Cunha (1866 – 1909), engenheiro, matemático, físico e jornalista carioca, foi enviado como correspondente do jornal Estadão ao sertão da Bahia, para realizar a cobertura da Guerra de Canudos. A partir dessa experiência, ele escreveu o livro Os Sertões. Em sua obra, o autor utilizou o determinismo geográfico e o determinismo biológico para explicar o movimento de Canudos. Segundo ele, as características geológicas e climáticas do Norte e do Nordeste brasileiros, que tornariam aquelas regiões inóspitas e, por outro lado, a degeneração racial da população dessas regiões, majoritariamente mestiça, teriam imposto aos nordestinos uma inferioridade física e mental que os teria levado ao desequilíbrio psíquico que motivou a sua adesão ao movimento de que se reuniu em torno de Antônio Conselheiro e criou uma comunidade na qual viveriam em oração e penitência, com objetivo de alcançar uma boa vida na Eternidade.

Fonte da imagem: Brasil Escola

João Batista de Lacerda (1846 – 1915), médico, antropólogo e político fluminense, foi o único representante de um país latino-americano que participou do Primeiro Congresso Internacional das Raças, realizado em Londres, em 1911. Na tese Sobre os Mestiços, que apresentou no congresso, defendeu a doutrina do branqueamento racial, segundo a qual a imigração de europeus e a mistura destes com a população local livraria os brasileiros da sua degeneração racial. A miscigenação com os europeus provocaria um embranquecimento não só físico, mas também moral e social dos brasileiros. Desse modo, o Brasil se converteria em um país branco em três gerações, tornando-se, assim, apto ao progresso.

Fonte da imagem: Academia Nacional de Medicina

As teses de Lacerda eram ecos de ideias que circulavam no Brasil desde o nosso período imperial. Tanto que, antes da abolição da escravatura, o Governo Brasileiro começou a incentivar a vinda de imigrantes italianos, alemães, suíços, açorianos, dentre outros povos europeus. No Primeiro Congresso Brasileiro das Raças, Lacerda apresentou o quadro chamado A Redenção de Cam. A tela, pintada pelo artista espanhol Modesto Brocos, retrata, ao centro, uma mulher jovem e parda, sentada com uma criança branca nos braços, do lado esquerdo, uma mulher negra, de pé, com as mãos erguidas em tom de agradecimento, e, do lado direito, um homem branco, sentado à soleira da porta de uma casa, olhando satisfeito para a mulher jovem e a criança. A obra de arte retrata a ideologia do branqueamento racial, pois a mulher parda, talvez filha da mulher negra, casou-se com um homem branco e teve um filho igualmente branco.

Fonte da imagem: Enciclopédia Itaú Cultural

Por mais que os avanços científicos do séc. XX invalidassem o conceito de raça em seu sentido biologizante e, junto com ele, as teorias raciais e eugênicas, essas ideias ainda circulam em nossa sociedade. É assim que a Bahia, o estado com maior população negra do Brasil, é representada no Sudeste como terra de preguiçosos, demonstrando uma sobrevivência das proposições de Gobineau no senso comum. Além disso, as ideias de Lombroso dominaram o chamado positivismo criminal, doutrina que esteve na base do Código Penal de 1890 e o Código Penal de 1940. Uma das conclusões que o pensamento de Lombroso pode favorecer é a de que, para que o crime seja evitado, bastaria prender antecipadamente aqueles que se enquadrariam no tipo físico do criminoso. A sobrevivência dessa ideia no senso comum é observada quando a polícia preferencialmente realiza revistas pessoais em sujeitos negros, além do fato da população carcerária brasileira ser majoritariamente formada por negros.

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