quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Mito da Democracia Racial

A perspectiva de Gilberto Freyre influenciou a maneira com que brasileiros e estrangeiros passaram a enxergar as relações raciais no Brasil. Ela favoreceu as conclusões segundo as quais não há racismo em nosso país, as relações entre negros e brancos são pacíficas e harmoniosas entre nós, os negros não sofrem prejuízos devido ao seu pertencimento racial e a nossa sociedade favorece a ascensão de pretos e pardos. Chamamos essas conclusões de mito da democracia racial. Apesar do autor nunca ter usado essa expressão em sua obra, ele fomentou por meio dela esse tipo de pensamento.

Fonte da imagem: Universidade Federal Fluminense

Um exemplo da ideologia ou do mito da democracia racial é que a primeira lei que trata da discriminação racial no Brasil, a Lei n.º 1.390/51, chamada de Afonso Arinos, tipificou como contravenção penal a negação da hospedagem em hotéis, o impedimento à entrada em estabelecimentos comerciais, a rejeição de matrícula em escola e a recusa na contratação em empresas públicas ou privadas motivadas por preconceito de raça ou cor. É considerada contravenção penal aquela ação que tem pouco caráter ofensivo e é punida mais brandamente. Tanto que a pena prevista por essa lei era o pagamento de uma multa e a prisão simples pelo período de três meses a um ano. Como a ideia corrente era a de que não havia racismo em nosso país, acreditava-se que o preconceito de raça ou cor era algo que acontecia poucas vezes e isoladamente, por isso, a Lei Afonso Arinos previa uma pena tão leve.

Fonte da imagem: Fundação Cultural Palmares

Casa-Grande e Senzala fez tanto sucesso fora do país, que o Brasil passou a ser visto pelo mundo como um modelo de relações raciais. Acreditava-se que países como os Estados Unidos e a África do Sul, em que a população negra sofria discriminação e segregação, ou a Alemanha, que perseguiu e matou judeus baseados na crença da sua inferioridade racial, deveriam aprender conosco a maneira pacífica e harmoniosa com que conviveriam negros e brancos por aqui. Para tanto, na década de 1950, a UNESCO patrocinou intelectuais brasileiros e estrangeiros para que realizassem uma série de estudos sobre convivência entre negros e brancos no Brasil, com o objetivo de exportar nosso modelo de relações sociais. Esses estudos, porém, concluíram que a democracia racial brasileira não passava de um mito e que existe sim racismo em nosso país.

Fonte da imagem: Geoprofessora

Florestan Fernandes (1920 – 1995), sociólogo paulista, foi um dos autores que participaram do projeto da UNESCO. Em 1965, ele publicou o livro A Integração do Negro na Sociedade de Classes, em que desconstruiu o mito da democracia racial, desvelando o racismo e a inferiorização sofrida pelos negros no Brasil e afirmando que a inexistência de conflitos explícitos entre negros e brancos e de leis segregacionistas no país não significava harmonia nas relações raciais brasileiras.

Fonte da imagem: Nova Escola

Segundo Fernandes, a abolição da escravatura representou o início da construção da ordem social competitiva e democrática em nosso país. Porém, os negros foram excluídos desse processo e relegados a posições subalternas que ocupam até hoje. A inexistência de leis segregacionistas no Brasil é explicada por Fernandes pelo fato de que as elites brancas nacionais não enxergam os negros como uma ameaça a sua posição de dominação, e, por isso, não acreditavam que era necessária a elaboração de leis que os colocassem em ‘seu devido lugar’. 

Fonte da imagem: Nas Tramas de Clio

Nos anos 1960 e 1970, inspirados nos movimentos pelos direitos civis dos negros estadunidenses, os movimentos negros brasileiros passaram a confrontar o mito da democracia racial, a denunciar o racismo e a discriminação racial no Brasil e a exigir igualdade de tratamento e de oportunidades entre negros e brancos em nosso país. Por pressão desses movimentos, foi aprovada a Lei n.º 7.716/89, chamada de Lei Caó, que define os crimes de preconceito de raça ou de cor, prescreve penas mais severas para esses crimes e os considera inafiançáveis. Ainda assim, até hoje, ninguém foi condenado pelo crime de racismo, já que a maioria dos casos denunciados são tratados pelo poder judiciário como injúria racial. A diferença é que o racismo é considerado uma ofensa contra a coletividade dos negros, enquanto a injúria racial é vista como um ato cometido contra um indivíduo e tem menor potencial ofensivo.

Fonte da imagem: Terra


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