Prof. Roberto Izoton: Democracia, Cidadania e Direitos Humanos: O Conceito de Democracia

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A palavra democracia é formada pelos termos gregos demos, que significa povo, e kratos, que quer dizer poder. Deste modo, democracia é o regime político no qual o povo exerce o poder, seja diretamente, seja indiretamente, por meio da eleição de representantes nos níveis municipais, estaduais e federal.

Não existe apenas uma concepção de democracia. Há quem pense que ela trata apenas da esfera política, no que se refere ao direito de votar e ser votado. Outras pessoas compreendem que ela também tem uma dimensão econômica, com os cidadãos definindo como serão aplicados os recursos públicos por meio do orçamento participativo. Há também quem complemente a ideia de democracia com uma dimensão social e até mesmo cultural, defendendo que a sociedade tem direito de decidir sobre a regulamentação da vida privada (como nas questões do aborto e da sexualidade) e sobre a disposição de equipamentos culturais e de lazer (como cinemas, teatros, parques e praças). Por fim, atualmente também falam sobre democracia ambiental, que trata da participação popular nas decisões sobre o meio ambiente.

Quatro critérios são importantes para a definição de democracia. São eles: 1) a ideia da igualdade de direitos e deveres entre os cidadãos, independentemente de suas características econômicas, raciais e de gênero; 2) próprio conceito de povo, como uma coletividade cujos membros possuem os mesmos direitos e deveres essenciais; 3) a participação do povo na gestão da coisa pública; e 4) a liberdade de expressão, de manifestação, de reunião e de oposição ao governo. Por mais que, atualmente, essas ideias pareçam óbvias, elas são recentes e geram muitas disputas em torno de si.

A forma por meio da qual o povo exerceu seu poder na sociedade variou ao longo da história, sem contar que a democracia é um sistema político que não foi dominante ao longo do tempo. Vamos ver, a seguir, as principais expressões históricas da democracia.

A democracia surgiu na Grécia Antiga, na Cidade Estado chamada Atenas. Nela, todos aqueles que eram considerados cidadãos se reuniam na praça pública, chamada de Ágora, para coletivamente decidir como iriam administrar a coisa pública, além de criar leis e julgar aqueles que as transgrediam.

O problema da democracia ateniense era que apenas uma pequena parcela da população era considerada cidadã. Tratava-se dos homens livres, nascidos em Atenas e maiores de 21 anos. Isso deixava de fora os estrangeiros, os escravizados, os mais jovens e as mulheres.

A participação política era considerada uma virtude em Atenas, tanto que aqueles que tinham as atribuições para participar e não o faziam eram malvistos pela sociedade e chamados de idiotas (aqueles que se preocupam apenas consigo mesmos). Além disso, aqueles cidadãos que apresentavam uma conduta condenável pelos demais podiam perder seus direitos políticos por 10 anos, o que era chamado de ostracismo.

Para uma participação direta dos cidadãos, tal qual acontecia na Grécia Antiga, é necessária uma sociedade pequena, com poucos membros. Em uma sociedade grande e complexa como a nossa é inviável reunir a todos para decidirem diretamente sobre a gestão da coisa pública.

A democracia grega ruiu por volta de 404 a.C., quando, após ser derrotada por Esparta na Guerra do Peloponeso, Atenas voltou a ser governada pela oligarquia formada pelos senhores de terras. Depois disso, do século XIV ao século XVII, consolidou-se na Europa a monarquia, no qual o povo não participava das decisões políticas.

Após as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII (a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa), a democracia ressurgiu sob outros moldes, no que chamamos de democracia representativa. Nesta expressão da democracia, o povo exerce sua soberania por meio do voto, elegendo seus representantes, que administram a coisa pública em nome dos cidadãos. Isso porque a democracia representativa estabeleceu-se em sociedades maiores e mais complexas que a ateniense.

São princípios importantes para a democracia representativa a igualdade jurídica entre os cidadãos, por meio da qual cada eleitor corresponde a um voto, a separação e a independência dos poderes executivo, legislativo e judiciário, o respeito às leis, a liberdade de expressão do pensamento e a cidadania.

Este modelo tem sido criticado recentemente no Brasil e no mundo, já que a população tem percebido que os representantes que elege não defendem os interesses de todos, mas sim dos grupos dominantes.

A divulgação das experiências socialistas na União Soviética, que trazia a população para a participação política por meio dos conselhos conhecidos como sovietes, aliada à crise de representatividade a que nos referimos acima fez com que os países capitalistas também trouxessem os cidadãos para a participação na gestão da coisa pública.

A democracia participativa então desenvolve-se com a criação de canais de participação direta dos cidadãos nas decisões políticas dentro do regime representativo. Ela combina então representação e participação popular.

São canais de participação dos cidadãos na administração da coisa pública o orçamento participativo, por meio do qual a população define quais são as ações prioritárias do poder público, as audiências públicas, nas quais os cidadãos discutem com o poder público sobre como as ações deste afetam suas vidas, os plebiscitos e referendos, que são formas da população decidir sobre as leis que serão implementadas no país, os conselhos de políticas públicas, como o conselho nacional de educação, os conselhos estaduais de saúde e os conselhos tutelares, em que os cidadãos discutem as políticas voltadas para si mesmos, e os movimentos sociais, por meio dos quais os sujeitos buscam influenciar a decisão dos representantes eleitos no atendimento de suas demandas.

Para o sociólogo português chamado Boaventura de Souza Santos (1940 – ), acontece com a criação de mecanismos que ampliam a participação popular na política, incluindo sujeitos até então excluídos do processo decisório e buscando assim corrigir as falhas apresentadas pelo modelo representativo.

Prof. Roberto Izoton