O contato entre africanos e europeus vem de muito antes do processo de expansão marítima e comercial europeia. A Península Ibérica, região que compreende os atuais países de Portugal e Espanha, foi dominada pelos povos muçulmanos do Norte da África, conhecidos como Mouros.
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Em 632, Mohammed, o fundador do islamismo, morreu em Meca, na atual Arábia Saudita, sem apontar seu sucessor. Após uma difícil disputa, o intitulado profeta foi sucedido por seu sogro, Abu Bakr. Em torno de Abu Bakr, as elites islâmicas desenvolveram regime conhecido como califado, cujo governante era, ao mesmo tempo, uma liderança política e religiosa. A partir de então, os califas iniciaram um processo de expansão religiosa, comercial e política à leste e à oeste de Meca, chegando a ocupar todo o Norte da África. No séc. VII, o Marrocos era governado pelo Mansa Ibni Nasser, do Califado Omíada. Em 711, ele enviou um exército liderado por Tariq Ibn Ziyad, para conquistar o território do sul da Europa então ocupado pelos visigodos.
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Os Mouros eram
assim chamados por terem a pele mais escura do que os europeus, já que a
denominação vem do latim maure, palavra utilizada para designar as pessoas de
pele negra. Eles chamaram a região que conquistaram na Europa de Al-Andaluz e
exerceram ali um importante papel civilizador, construindo cidades e
desenvolvendo a matemática, a filosofia, a medicina, a astronomia e outras
ciências. Os territórios dominados pelos Mouros contavam com uma educação
universal, o que era impensável na Europa cristã da época. Eles criaram 17
universidades apenas na Espanha, nas cidades de Almeria, Córdoba, Granada,
Juen, Málaga, Sevilha e Toledo. Além disso, havia 70 bibliotecas públicas
apenas na Espanha Moura.
Os africanos
do norte também influenciaram a moda, a gastronomia e os hábitos de higiene europeus.
Em 822, o músico mouro chamado de Abu al-Hasan Ali ibn Nafi, mais conhecido
como Ziryab (Pássaro Negro), foi convidado a morar na corte de Córdoba, capital
de Al-Andaluz, pelo próprio Emir (governante). Ele levou consigo costumes e hábitos
que revolucionaram a Europa, como o uso de roupas diferentes de acordo com o
período do dia ou com as estações do ano. Na cozinha, Ziryab introduziu o uso
dos pratos, dos talheres e dos copos de cristal, popularizou a refeição formada
por entrada, prato principal e sobremesa, além de ter iniciado o uso de novos
frutos, legumes e verduras, como o aspargo. Em relação à higiene, o Pássaro
Negro levou o hábito do banho diário e o uso do desodorante e do creme dental. Ainda
sobre a higiene, foram os Mouros que introduziram na Europa o uso do Álcool que
tem uma considerável ação desinfectante. Esses hábitos contribuíram para o
aumento da expectativa de vida da população do continente.
Fonte da imagem: Iqara Islam |
No séc. X, Córdoba
dispunha de 50 hospitais com água corrente, uma novidade no continente europeu.
Abu al-Quasim, considerado o pai da cirurgia moderna, era um Mouro nascido em
Córdoba. Ele criou inúmeros instrumentos e técnicas de cirurgia e influenciou a
formação em medicina na Europa por 500 anos. Além disso, a capital Al-Andaluz já
possuía nesse período dutos que distribuíam água pelo Emirado, iluminação de
rua e banhos públicos.
Em 750, a Dinastia
Omíada foi derrubada e substituída pela Dinastia Abássida. A partir de então, conflitos
internos levaram o grande Califado Omíada a fragmentar-se, dando origem aos
califados de Bagdá, do Cairo e de Córdoba, respectivamente na Asia, no Egito e
na Península Ibérica. Foi nesse contexto que os reinos cristãos da Península
Ibérica iniciaram o processo conhecido como Reconquista, expulsando os Mouros
da região. No séc. XII, eles foram expulsos de Portugal, que assim se unificou
como um reino tendo Dom Afonso I no trono. No território da atual Espanha, os Mouros
foram expulsos no séc. XV, pelos exércitos liderados pela rainha Isabel I de
Castela e Fernando II de Aragão.
Fonte da imagem: Mundo Educação |
Mesmo após a expulsão dos Mouros de seu território, Portugal mantinha um notável comércio de especiarias (pimenta do reino, cravo da índia, açafrão, gengibre etc.) e ouro, obtidos de mercadores árabes. Esses comerciantes levavam as suas mercadorias até o Mar Mediterrâneo, utilizando uma rota que passava por Constantinopla. Ali, os produtos eram comprados por comerciantes genoveses e venezianos, que os revendiam por toda a Europa, utilizando uma rota marítima que ligava o Mediterrâneo ao Mar do Norte. Essa rota passava por Portugal, que se constituiu num importante entreposto comercial.
No séc. XV, as
especiarias, o ouro e os demais produtos orientais tiveram um significativo
aumento em seus preços por dois motivos principais. Primeiramente, os comerciantes
venezianos e genoveses monopolizavam o comércio mediterrânico e cobravam o
preço que queriam pelas mercadorias que entravam na Europa por ele. Em segundo
lugar, a rota comercial que passava por Constantinopla foi fechada em 1453, quando
os Otomanos conquistaram a região.
Foi nesse
momento que os países europeus, iniciados pelos portugueses, lançaram-se ao
mar, em busca de um novo caminho para as Índias. O objetivo era ter acesso direto
às mercadorias orientais, sem depender dos comerciantes árabes, genoveses e
venezianos. O pioneirismo de Portugal deveu-se ao fato dele já ser no séc. XV
um país unificado e governado por uma monarquia centralizada, o que foi um
resultado das Guerras de Reconquista. Além do mais, Portugal detinha os conhecimentos
de matemática e astronomia necessários para a navegação, conhecimentos esses
levados à Península Ibérica pelos Mouros. Por fim, a própria caravela utilizada
pelos portugueses era baseada nas embarcações utilizadas pelos navegadores árabes
do Oriente Médio e do Norte da África.
Fonte da imagem: Mar Sem Fim |
Foi no
contexto das Grandes Navegações que os portugueses chegaram na África. Em 1415,
Portugal conquistou a cidade de Ceuta, no Norte da África, que pertencia ao
Marrocos e era um notável centro comercial árabe. Em 1460, chegou às ilhas de
Cabo Verde, onde estabeleceu um entreposto comercial já se inserindo no mercado
de escravizados. Dez anos depois, os portugueses chegaram nas ilhas de São
Tomé, de onde começaram a ter contato com o Reino do Kongo. Em Angola, no
próprio Reino do Kongo, os lusitanos desembarcaram em 1482, mas só começaram a
colonizar seu território em 1575. Por fim, entre 1497 e 1499, os portugueses
chegaram no atual Moçambique, onde anos mais tarde estabeleceram feitorias para
o comércio de ouro, prata, peles, marfim, especiarias, pérolas e escravizados.
Quando os
portugueses adentraram o continente africano, os reinos e impérios que ali se
estabeleceram passavam por processos de desestruturação, devido a disputas
internas. Os lusitanos, então, aproveitaram-se dessas disputas para fomentar a
rivalidade entre os grupos que brigavam entre si, inclusive fornecendo armas
para alguns desses. O incentivo aos conflitos internos na África tinham como
objetivo a obtenção de escravizados para o comércio transatlântico. Era o
contexto da colonização do Brasil, conquistado por Portugal em 1500, e de
outras áreas do continente americano, que foram colonizadas pela Espanha, pela
França, pelos Países Baixos e pela Inglaterra. Os europeus precisavam de mão de
obra especializada em seu projeto colonial e os africanos dominavam todas as
tecnologias necessárias para esse projeto, por praticarem a agricultura, a
mineração, a metalurgia, a ourivesaria e a engenharia.
A escravidão
já existia na África antes dos Portugueses chegarem lá. Porém, a escravidão
praticada pelos africanos em seu continente e aquela implementada pelos
europeus nas Américas. Em África, os escravizados não eram destituídos de sua
condição de humanidade. Seus donos tinham que lhes proporcionar comida, roupas,
uma cabana para moradia, um pedaço de terra para a plantação de sua própria
comida, além de um marido ou uma esposa, para que pudessem constituir família. Além
disso, era comum que um escravizado, com as condições que lhes era fornecida,
comprasse sua liberdade. Por outro lado, os europeus desumanizavam os
escravizados que capturavam, vendiam e compravam. Os cativos eram vistos como
meras mercadorias, tinham a alimentação insuficiente, passavam por maus tratos
e nem sempre podiam constituir famílias. Muitos deles, inclusive, eram
utilizados como reprodutores, para que seus donos tivessem mais escravizados
para vender.
Vemos então que tanto a Europa foi dominada pelos africanos, quanto a África foi dominada pelos europeus. Porém, o caráter, os procedimentos e os resultados dessa dominação foram completamente diferentes. Enquanto os africanos contribuíram para o progresso da Europa, os Europeus massacraram as populações da África, contribuindo para a manutenção de sua fragmentação política e impondo-lhes um estado de subordinação e de pobreza que se prolonga até os dias de hoje.
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